O meu primeiro contacto com o PCB - 2ª parte


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Uma constante durante todo o decorrer do evento está nas muitas fotografias que são tiradas, não só pela pessoa a quem está destinada aquela tarefa, como por toda a gente que vai munida de máquina fotográfica como se obcecadas estivessem por preservar cada um daqueles momentos, como se cada um deles fosse único e último e dessa forma, deve ficar registado através da fotografia. Fotografias são tiradas às pessoas quer em grupo, quer individualmente, ao espaço, a cada um dos pratos, a cada novo elemento que entra no cenário, para posteriormente serem seleccionadas e arquivadas por evento e data, desde as actuais até às reuniões anteriores que aconteceram desde que foi fundado o sítio oficial na internet do Partido dos Comes e Bebes. Essas comemorações que em parte se querem privadas, isto é, este grupo apresenta-se como um grupo fechado e não só para os “estrangeiros” como eu, mas para os próprios macaenses que por si só e por o serem não lhes dá acesso directo a estas festas, antes é necessário ser convidado a estar presente como se essa aceitação passasse por ter uma password de acesso. Talvez tenha sido a herança deixada pelo funcionalismo público ou apenas, e como eles dizem, “por brincadeira” o PCB tem um organigrama com a descrição das diferentes funções e a quem as compete desempenhar. Assim sendo, recorre-se ao topo para se obter essa aprovação e acesso a este universo que se quer “familiar”, “entre amigos”, no fundo, “privado” e com “identidades privadas”, mas sem o serem. Afinal, existe um website da Gente da Terra que é carregado e actualizado com toda a informação que diz respeito a este Partido dos Comes e Bebes. É a obsessão pelo registo do “privado” para depois o tornar “público”, dado a conhecer, ser recordado, como se se tratasse dos últimos macaenses, os últimos que fazem isto, os últimos que preservam a tradição, a língua, a gastronomia, os hábitos e os costumes e que por conseguinte, têm o dever de deixar estas memórias das suas memórias porque para lá deles “já nada disto passa”, tal como repetidas vezes me é dito.
À medida que a noite avançava o programa da festa ia sendo cumprido dentro do horário estipulado e tal como manda a tradição chinesa, por ocasião desta festividade, chegou a hora de cantar à lua. A canção da lua, em chinês romanizado, é cantada, tal como as anteriores canções, numa espécie de Karaoke improvisado, onde as letras das músicas estão afixadas em placards que se sucedem à medida que a música avança e perto dos quais foi, estrategicamente, colocada uma lanterna de papel em forma de coelho.  A Festa da Lua, explicaram-me, assinala o equinócio do Outono e é uma festividade chinesa comemorada em Macau com muito entusiasmo por todos os seus habitantes. A Festa da Lua tem a particularidade de estar associada ao Bolo Lunar, que em Macau é conhecido por bolo “bate-pau” por ser retirado “à paulada” das pequenas formas de madeira, que se oferece neste dia a amigos e familiares. Confeccionados com açúcar, ovos e farinha acinzentada ­ da cor da lua ­ estes bolos “bate-pau” são ainda recheados com sementes de lótus, amêndoas ou pinhões. O imprescindível ut péang ou bolo lunar (ou bolo “bate-pau”) apresenta na face superior, em alto-relevo, as imagens ou os caracteres que simbolizam o coelho ou a rã de três patas, personagens lendárias que habitam na lua. Segundo a tradição, em Macau na noite da Festa do Bolo Lunar, carregam-se lanternas pelas ruas em forma de coelho como sendo o principal símbolo desta festividade e como tal, também ali na festa do PCB o “coelhinho” tinha de estar representado.
A ceia foi servida e na mesa, estavam agora fruta, vários bolos lunares com diferentes recheios e outras sobremesas. Uma delas era uma espécie de sopa doce de feijão vermelho - hong tao sá - , muito apreciada entre os presentes, que se comia morna e já quando a noite ia avançada. Durante aquela “pausa” para cear e porque já havia menos gente na sala, era possível ouvir as muitas línguas que se misturavam nos diálogos daquelas pessoas. Para além do transversal português, com mais ou menos sotaque, ouvia-se falar o patuá, quando a conversa era de brincadeira e com muitas gargalhadas à mistura, o chinês (cantonense) mais fluente para  uns do que para outros, mas definitivamente não esquecido e usado como um código secreto entre eles, como ainda o inglês, que era naturalmente empregue sempre que surgia uma expressão ou um nome que não se soubesse pronunciar em outra língua que não a inglesa. Tal como me foi dito depois: “há uma maneira própria de falar entre as pessoas de Macau que é uma língua de trapos. É por brincadeira que nós fazemos isso e depois há umas expressões típicas que nós empregamos. Suponho que é mais por brincadeira que aqui, agora, se utiliza essa língua tripartida onde se misturam estas línguas todas. O cantonense, de facto, falamos e não esquecemos.”
Outro momento alto da noite foi a hora dos sorteios. Estavam a sorteio vários prémios simbólicos que iam sendo atribuídos à medida que o papel com o número correspondente era tirado à sorte de dentro da bolsa e por pessoas diferentes. Também aqui, o jogo da sorte e do azar está presente, quem é premiado recebe palmas e uma sessão fotográfica exclusiva. E assim se avança, até se chegar ao primeiro e mais cobiçado prémio. Decorrido o sorteio e distribuídos os prémios, dá-se lugar ao Karaoke. A participação era grande, apesar das resistentes não abrirem mão do microfone, as vozes femininas e masculinas faziam-se ouvir sem qualquer pudor em relação à afinação. A escolha pela próxima música era unânime de entre o vasto reportório que remetia para as lembranças dos tempos de juventude em Macau que reportavam aos anos 60 quando se ouvia Elvis Presley, Beatles, Ricky Nelson, entre muitos outros músicos anglo-saxónicos que eu não consegui identificar e se dançava o twist.
A festa foi ficando cada vez mais vazia e de cerca das 56 pessoas que ali tinham estado presentes naquela noite, restava agora pouco mais do que o grupo dos organizadores que começavam a arrumar a sala. Com a sala em ordem e os pertences guardados, a porta fechou-se, pairando nos seus rostos um ar de satisfação pela missão cumprida. 
MG

2 comentários:

Anónimo disse...

Muito bem Marisa!!! Com esta descrição senti-me na festa, novamente. Beijinhos
Isabel Machado

GinaB disse...

A Marisa lembra-se de tudo e mais alguma coisa. Muitos Parabéns!