Nicolau Xavier - como caí nos Açores - Parte 4

(cont. parte IV)
No verão de 1969, a Companhia onde estava integrado deslocou-se cedo numa manhã numa unidade da Marinha Portuguesa para Angra do Heroísmo a fim de, em representação do BI 18, participar nas celebrações do 10 de Junho, celebrações essas que culminaram com um grande desfile pela avenida principal da cidade. Findas as cerimónias, regressámos ao entardecer a Ponta Delgada. Uma correria louca.

Quando cheguei um dia à minha casa, o proprietário disse-me que tinha vindo à minha procura um indivíduo que se tinha apresentado como “um amigo de Macau”. Intrigado, passei a noite a adivinhar quem terá sido o outro “maluco” caído também em S. Miguel. Algum turista de passagem? Estudante em Lisboa? A resposta tive-a na manhã seguinte no Quartel quando apareceu à minha frente nada mais nada menos do que o João Magalhães (“Pom-Pom”), todo ele fardado. Caiu-me o queixo, pois não o via há séculos! E perdi a fala por alguns momentos. Como assim? Depois dos abraços iniciais, conversámos, conversámos … e não parámos de conversar durante todo o tempo em que permaneceu na ilha e que não foi muito. Disse-me então que tinha estado em Lamego numa formação de Operações Especiais e vinha treinar e fazer parte duma Companhia com destino para a Guiné. Ele foi o segundo macaense que encontrei na tropa. Lembro-me tão bem dos jogos de ping-pong que realizámos no Quartel, também com a participação de outros oficiais, dos jantares na cidade e posteriores passeios realizados no verão na Avenida Marginal de Ponta Delgada.

Passado algum tempo, o “Pom-Pom” foi-se embora mais a Companhia da qual fazia parte. Será que não há mesmo dois macaenses sem três? Dois macaenses, já eu vi (o “Ricky” e o “Pom Pom”); chegará ainda um terceiro?

Alguém lá do alto deve ter lido o meu pensamento. Decorrido algum tempo depois da partida do “Pom-Pom”, aparece um dia especado à minha frente no Quartel o Dr. Jorge Rangel (“Jimmy”), também todo ele fardado. Fartámo-nos de rir nessa ocasião. Como era possível? Não dava para acreditar! A surpresa não foi tanto dele porque sabia, provàvelmente através da Anabela ou do Alfredo, que eu andava por aquelas bandas. Era eu que estava surpreendido, pois a sua aparição tinha sido súbita. Disse-me na altura que, depois dos estudos universitários em Lisboa, tinha concluído o CPC (Curso de Promoção a Capitão) e que estava em S. Miguel para formar e levar uma Companhia, sob seu próprio comando, para a Guiné. Poucos meses depois, também ele partiu, acompanhado dos seus homens, deixando-me novamente como o único macaense no Batalhão.

Resumindo: Três oficiais macaenses prestaram serviço juntos no BI 18 num determinado momento. O “Pom -Pom” e o “Jimmy” levaram para a Guiné soldados açorianos formados no mesmo Batalhão onde durante cerca de três anos o autor destas linhas foi instrutor e Oficial de Tiro, para além de outras funções cometidas.

A minha “comissão de serviço” foi toda ela feita nos Açores. Dos quatro macaenses referidos neste artigo, três estiveram em zonas de combate. Fui a única excepção porque por algum motivo se entendeu que devia ficar para trás para instruir recrutas até ao dia da minha passagem à disponibilidade no verão de 1971 com o meu regresso definitivo para Macau para reassumir as funções públicas que tinha interrompido devido ao serviço militar que na altura era obrigatório.

Foi assim que um dia “caí” nos Açores.

NOTAS FINAIS

Na minha curta passagem pelo arquipélago, situado no meio do imenso Oceano Atlântico entre a Europa e o Continente Americano, guardo das suas terras e das suas gentes as mais gratas recordações. Foram tempos intensamente vividos entre gente simples, honesta, laboriosa e amiga.


Ao longo dos anos, revisitei várias vezes S. Miguel, umas vezes sozinho devido a afazeres profissionais, outras vezes com a família em férias. Numa das visitas, quis mostrar à minha mulher o Museu Machado de Castro em Ponta Delgada. Íamos a conversar descontraidamente quando se abeirou de mim um indivíduo que, apresentando-se como funcionário do Museu, disse que, salvo erro, tinha ouvido algumas palavras ditas em português. Perguntou-me se era de Macau e se conhecia o Alferes Xavier. Respondi que ele estava efectivamente a falar com o (então) Alferes Xavier. Ficou muito contente, adiantando com certo orgulho que tinha sido meu recruta antes de ir para a Guiné e ainda que iria transmitir o nosso encontro aos seus companheiros de então. Pelos vistos, esse recruta/soldado não se esqueceu de mim, passados esses anos todos.
 

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