A barraca de banho

Quando eu tinha os meus 12 ou 13 anos, por razões que não interessam agora explicar, tive de viver algum tempo em casa de uma das minhas Tias, que nessa altura, vivia numa das casas antigas pertencentes à Santa Casa da Misericórdia, sita na Travessa com o mesmo nome. Era um pequeno bairro com uma curta ladeira, ladeada de casarios, considerados habitações de classe média, de dois andares, com tectos altos e janelas rasgadas, paredes grossas e portas de madeira, tão grossas que mais pareciam as portas de um mosteiro!
Vivia com a minha irmã menor e andava a estudar no Seminário de S. José.

O Verão, era para nós, um período misto entre a alegria e o tédio... a alegria, como acontece a todos os miúdos da nossa idade, era devido ao facto de, por estarmos de férias, não haver necessidade de ir à Escola... “Não ter de estudar!... que maravilha”. Mas... depois da primeira ou da segunda semana, caiamos no aborrecimento, pois passávamos todos os dias na mesma e sentíamos a falta dos nossos amigos...

Só com a vinda da epóca balnear é que a nossa “sorte” mudava.

Naqueles tempos, eu tinha uma Tia muito simpática e generosa... todos os anos mandava construir uma barraca de bambú na Zona do Porto Exterior, do lado oposto ao Reservatório, num espaço onde o Leal Senado de Macau, anualmente, durante o período das férias do Verão, permitia a construção de uma série de barracas de bambú destinadas aqueles que lá quizessem passar umas horas agradáveis junto do mar. Findo o período das férias as barracas eram desmontadas.


Era uma zona segura, protegida por vários quebra-mares e destinava-se ao abrigo de pequenas embarcações durante a passagem de tufões.


Havia um grande barracão no meio, habitualmente pertencente a uma Associação que fazia a gestão daquele espaço de lazer, e em ambos os lados desse barracão, pessoas particulares mandavam construir a sua própria barraca - mediante o pagamento do respectivo preço - formando as barracas um grande rectângulo, no meio do qual era uma zona aberta onde os utentes podiam nadar.

O barracão “central” dispunha de WCs e pequenos balcões para a venda de comes e bebes: bolos, pão, fruta, min (naqueles tempos, ainda não havia Kong Chai Min – Doll Noodles) e bebidas como café e chá, além de gasosas como a Coca-cola, Green Spot, Seven Up. Porém, para nós, as gasosas mais acessíveis e por conseguinte, mais populares eram as da marca Ásia por serem mais baratinha e haver uma grande variedade. Também havia o delicioso Süt tiu (sorvete), de sabores variados.


As barracas, habitualmente de forma rectangular, tinham tamanhos variados, consoante o seu preço. A nossa tinha um tamanho médio, onde se podia acomodar mais de 12 pessoas. Era constituida por uma sala com janelas, uma casa de banho e varanda... da varanda havia uma rede para pesca e uma pequena escada de onde se descia para ir tomar banho nas águas do mar.


Quando a maré não estava muito favorável, a rapaziada ia para a zona do quebra-mar, mesmo ao lado, para apanhar pequenos caranguejos e colher “ostras” coladas às rochas ou então inventava-se qualquer outra brincadeira...

Esse era o nosso paraíso e todas as semanas, aos Domingos, “rezávamos” para que nos convidassem e estavamos devidamente preparados. Habitualmente iamos num autocarro, que a respectiva Companhia destinava exclusivamente àquela zona.

No mês de Junho calhava o festejo do dia de S. João...

Para não ter de puxar mais à cabecinha, vou aqui reproduzir uma pequena parte – melhorada - de um artigo que subscrevi, há tempos, ao Portal do PCB, a propósito das celebrações do Dia de S. João e o dia da Cidade.

DIA DE S. JOÃO


O Dia de S. João, para mim, quando eu tinha os meus 12 ou 13 anos, era uma data especial! Era o dia em que uma grande parte da família se iria juntar e passar o dia todo nas barracas de banho, no Porto Exterior, onde uma das minhas Tias teve a bela ideia de mandar construir uma, para ser utilizada durante toda a época balnear.


A minha alegria era enorme, pois iria encontrar, não só, todos os meus irmãos, mas também com muitos primos, tios, alguns vindos de Hong Kong, e amigos!

Logo de manhã, os garotos e os jovens já estavam todos a postos, cada um com o seu fardo para carregar: Uns levavam esteiras, toalhas e bóias, outros garrafões de água, sacos de pães e fruta! As tias preparavam a comida para o almoço e o jantar: costeletas panadas (bife pó de bolacho), porco bafassá, capela, costeletas fritas, etc., para o almoço e normalmente era arroz carregado com porco balichão tamarino para o jantar... e muita fruta: uvas, melâncias, bananas e até ananáses mergulhado em vinho tinto!

Nesse dia, o céu apresentava-se habitualmente azul e limpo, com o sol brilhante e mar sereno.

Na “nossa” barraca de banho, enquanto os adultos jogavam mah-jong ou passava o tempo em animada cavaqueira, os pequenos e os não-tão-pequenos punham logo os respectivos calções e fatos de banhos e divirtiam-se, ruidosa e alegremente, na água do mar. Curiosamente, nesse dia, até a água do mar era mais limpa e transparente.

Ao meio-dia era a hora do almoço e havia sempre uma diligente Tia que, mais parecendo o Sargento do Dia, ia “tocar” para o almoço... e todos, sem excepção, acorriam para dentro da barraca, cada um assumindo o seu posto no respectivo “pecking order” para receber o seu almoço... toda a gente faminta!

Seguidamente, era um pequeno intervalo para descansar e fazer digestão... ninguém tocava na água depois do almoço... a garotada toda tinha de tirar uma “siesta” enquanto que os velhos continuavam as suas conversas.

Acordávamos cerca das 15:30 e lá retornávamos as nossas brincadeiras, já que tínhamos as “baterias” recarregadas!

Depois, lá para o fim da tarde, cerca das 18:00 horas, todos os presentes reuniam novamente na sala da barraca para saborear o jantar especial do Dia de S. João, o belo arroz carregado com balechão tamarinho, preparado por verdadeiras mãos de mestre... uma maravilha, como diria o meu cunhado!

Findo o jantar, todos dão uma mãozinha na limpeza e arrumação da barraca. A louça lava-se em casa, uma vez que não havia água canalizada.

Com muita pena, então, chegava a hora da despedida e, no meio de abraços e beijos, todos mostram-se cansados, mas felizes, fazendo votos para que a reunião se repita com maior frequência.
 

Fausto Manhão

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