A Identidade Macaense

Ainda a propósito de um colóquio
(in Ponto Final, 16.11.2012)

Há duas semanas atrás realizou-se o Colóquio sobre a Identidade Macaense, onde se procurou discutir sobre várias questões relacionadas com esta temática, sempre tão controversa e de resultados tão aquém do desejado. Como responsável da organização do evento tenho que agradecer a todos quantos tenham participado, quer como oradores, quer como intervenientes da plateia. Na verdade a simples presença das pessoas, em si já se revestia de uma importância considerável.


Consciente das limitações inerentes a esta iniciativa, não podia ficar mais satisfeito com a boa participação das pessoas, embora tenha que dar razão a todos que consideraram pouco: afinal, apenas se cheirou a nata, mas não se saboreou o bacalhau como se devia. Mas ainda bem, pois aguçou-se o apetite para mais, que oportunamente será correspondido.


O tema não era fácil e quatro horas não era tempo suficiente para abarcá-lo na sua plenitude. Depois, sem embargo da surpreendente espontaneidade da assistência, nem todos estavam sintonizados a debatê-lo com o mesmo grau de sensibilidade. Afinal, era a primeira vez que se organizava uma coisa destas.


Tal como já era previsto, a questão do “quem somos nós” continua tão aberta como no início.


Não quis fazer nenhuma intervenção a este respeito, uma vez que não me pareceu correcto um moderador extravasar os limites das suas funções. Contudo gostaria de compartilhar com todos algumas ideias.

A velha pergunta que todos fazem sobre o que seja Macaense, envolve uma resposta tão difícil quanto o pretender saber o que seja um português, um inglês, um judeu, um cigano… Tudo porque o que está em causa é uma noção cultural. Se o português não se resume aos Descobrimentos, Camões, Saramago, Fado e Cristiano Ronaldo, o Macaense não é apenas minchi, mestiço trilingue e Patuá.
O ponto de partida nesta busca da sua identidade, é sempre o Macaense inserido na sua Comunidade. Não podia ser de outra forma. Não vou discutir os critérios propostos por pessoas que já escreveram sobre essa questão. Mas para mim, três elementos básicos devem existir para que estejamos perante um Macaense.
O primeiro diz respeito ao seu apego a Macau. Uma ligação sentimental que resulta quer do seu nascimento, quer do dos seus antepassados, quer ainda da sua vivência em Macau por um tempo ou intensidade suficiente, que o leve a sentir que pertence a esta terra. Macau sempre terá presença na sua mente, por mais longe que ele possa encontrar-se.
O segundo, mais controverso, concerne à sua ligação a um mundo cultural, com todas as vicissitudes, nuances e idiossincrasias, consoante os lugares onde ele possa abarcar. A ligação em causa ultrapassa a mera noção jurídica de nacionalidade, e vai para além de uma simples referência geográfica da Península Ibérica. Talvez a melhor palavra para designar isso seja mesmo “Portugalidade”, para assim abranger todo um espaço cultural muito maior do que o enclave ibérico pode representar.
O Macaense pertence assim a Macau, com todas as características humanas e culturais, compromissos e contradições, através da qual vive a portugalidade.
E deste caldo resulta um terceiro: a empatia especial que segura a comunidade, aquilo que dá o “chiste” ao que mais profundamente é nosso. É essa empatia que faz com que todos, falando línguas diferentes, nos comuniquemos numa mesma linguagem, com um comum código de valores e de crenças. A esta empatia designamos comummente de “Malta”.
Não espanta assim que o Macaense possa nascer fora de Macau. Nem que a Diáspora Macaense viva a sua terra com grande intensidade mesmo estando longe dela.
Por outro lado, não admira que muitos vivam em Macau há várias décadas e não são considerados Macaenses. Talvez porque nunca se deram ao trabalho de comungar desta empatia, de despirem das suas origens e aceitarem a Comunidade tal qual como ela é, com todos as suas virtudes e defeitos. Comunidade essa que, ao contrário do que muitos crêem, nunca fechou as suas portas a ninguém.

*Advogado e Presidente da Associação dos Macaenses.
                                                                                               Miguel de Senna Fernandes

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