Corria o ano de 1970 quando fui mobilizado para a rendição individual em Macau. Iria embarcar no navio “Timor” no dia 4 de Junho (5ªfeira).
Na data indicada dirigi-me ao cais de Alcântara para embarcar rumo a Macau e, para minha surpresa, quando lá cheguei não via nem sombra do navio. Entrei imediatamente em pânico, sem saber o que pensar. Interroguei-me se me teria enganado na data de embarque. Fui informado por um funcionário alfandegário de que o barco ainda se encontrava a abastecer em Santa Apolónia. A partida tinha sido adiada para o dia seguinte.
No dia seguinte dirigi-me novamente ao cais acompanhado pelos meus pais. Desta feita encontrei o navio "Timor" ancorado à minha espera.
Decidi ir com os meus pais até ao bar para aguardar pela hora do embarque. Avisaram-me que haveria três apitos de aviso, e que ao terceiro apito teríamos que nos despedir dos nossos familiares e embarcar.
Quando tocou o primeiro apito a minha Mãe desatou num pranto. O meu Pai, sem saber o que me dizer, pegou em 500 escudos e deu-me como forma de consolo. Ao segundo apito, repetiu o gesto. Foi a forma que encontrou para se despedir de mim. Ao terceiro e último apito dirigi-me para o barco, acompanhado pelo choro dos familiares. Éramos cerca de 400 a 500 homens, entre Praças, Sargentos, Oficiais e seus familiares.
À hora do embarque caiu uma chuvada enorme, típica do início do Verão.
A partida estava prevista para as 18h00. Às 21h00 ainda não tínhamos partido. Faltava uma autorização especial, porque transportávamos explosivos a bordo. Típico do português. Durante todo este tempo os nossos familiares permaneceram à chuva à espera da nossa partida.
Início da viagem
Enquanto o barco deslizava pelo rio Tejo rumo à barra, permanecemos no "deck" a apreciar a vista das margens iluminadas. Era um bonito cenário, que eu nunca tinha visto.
Estávamos a chegar à barra em Cascais quando comecei a ouvir alguns comentários trocistas dos meus camaradas. "Então isto é que é atravessar a barra?"."É agora que ficamos enjoados?"."Isto é porreiro, afinal não custa nada!". Duas horas depois, a enfermaria ficou repleta, e até ao final da viagem nunca mais houve falta de pacientes.
A viagem prosseguia com maior ou menor dificuldade, a tripulação já batida nestas andanças gozava com o pessoal."Esperem pelo mar dos Açores, aí é que vão ser elas!". E assim foi. Durante dias tivemos de aguentar o mar dos Açores. O enjoo era constante e a enfermaria estava a abarrotar. Os Praças encontravam-se em pior situação pois viajavam no porão do barco sem condições. Não viam a luz do dia e tinham de aguentar um cheiro insuportável que era provocado pela má disposição geral.
Os Oficiais viajavam em camarotes de primeira classe. Nós, os Sargentos, em camarotes de segunda classe. Um “luxo” comparado com os restantes. Eu dividia o camarote com um Furriel.
A hora das refeições era um tormento, assim que vinha a comida havia logo uma corrida para a amurada, devido à indisposição constante.
Passados 14 dias chegámos à nossa primeira paragem, Angola. Luanda era zona de guerra e o ambiente não era dos melhores.
Atracámos de manhã e parti, juntamente com quatro companheiros, à descoberta da cidade. Iríamos ter apenas 48 horas de permanência em Luanda. Trocamos os "escudos" por "angolares" através dos "candongueiros", conseguindo um lucro cerca 50%, e alugamos um carro para passear.
Passámos dois dias em Luanda visitando o que podíamos e saciando a fome. A comida a bordo era má e os enjoos também não ajudavam.
Aproveitámos e fomos visitar, também, as cidades de Benguela e Lobito.
Fomos de comboio até Benguela e, ao atravessarmos um enorme canavial de cana-de-açúcar, sentimos um odor incrivelmente adocicado. Benguela era uma cidade muito bonita e tinha um estilo puramente colonial, com vivendas e jardins muito bem arranjados.
Lobito foi onde parámos para almoçar. Como o marisco era baratíssimo, cada um comeu uma lagosta e enchemos a barriga com uma grande variedade de marisco.
Embarcámos novamente em direcção a Moçambique, rumo a Lourenço Marques (actualmente denominada de Maputo) e depois até à cidade da Beira.
A ligação de Angola a Moçambique, com a passagem pelo Cabo da Boa Esperança, foi um pouco assustadora. Aguentei-me o melhor que pude, mas sempre enjoadíssimo, só me sentia bem no "deck" a apanhar vento. A enfermaria estava a abarrotar.
A bordo havia um mapa com a nossa rota e localização diária e parecia que não saíamos do mesmo sítio. Andávamos por dia apenas 450 km. Tínhamos de nos afastar das rotas normais, devido aos explosivos que o barco transportava, tornando o caminho a percorrer ainda mais longo.
Chegámos de manhã a cidade de Lourenço Marques. Como a entrada na barra era muito complicada só conseguimos atracar às 17h00.
Lourenço Marques era, à época, uma cidade na qual não me teria importado de viver. Muito bonita, espaçosa, com grandes avenidas, moderna e com influências da África do Sul. Ouvia-se falar frequentemente a língua inglesa e o trânsito circulava pela esquerda, semelhante ao que iria encontrar em Macau.
Passámos uns dias absolutamente maravilhosos, apreciando as praias espectaculares e comida deliciosa. A única desvantagem era o facto de o custo de vida ser bastante mais alto do que em Luanda. Diverti-me imenso até o dinheiro acabar, em grandes almoços, jantares e noitadas.
Como tudo o que é bom acaba depressa, passados cinco dias partimos novamente em direcção à cidade da Beira, situada mais a norte de Moçambique. Uma cidade simpática onde permanecemos dois dias.
Passei o dia na cidade, a passear e claro, a comer. Deliciei-me com um bife enorme, do tamanho de um prato, bem acompanhado com umas cervejas. À noite fui assistir a um show num clube nocturno intitulado de "Molin Rouge" e só regressei ao barco de madrugada. Ao chegar ao cais apanhei um valente susto porque não vi o barco. ./..
Manuel Vieira