Nicolau Xavier - como caí nos Açores - parte 3

(cont. parte III)
Os primeiros tempos foram vividos muito tranquilamente. Fui-me habituando à vida no quartel e na cidade, procurando conhecê-los o melhor e o mais ràpidamente possível. Aproveitava os fins de semana para visitar os monumentos e locais de interesse, tentando também descobrir o que de bom havia na culinária açoriana e micaelense. Abundava a lagosta que era boa e barata, o polvo e os mariscos eram muito apreciados e a carne era saudável e saborosa porque as vacas pastavam dia e noite nos verdes campos, alimentando-se só de erva e nunca regressando aos estábulos. Passavam a noite ao relento. Não é sem razão que a ilha de S. Miguel é tida como a Ilha Verde – ela encontra-se vestida de verde à roda do ano devido à sua abundante vegetação e humidade. O ananás, produzido em estufas e em larga escala, eram considerados os melhores do mundo, sendo exportadas inclusivamente para os EUA onde viviam grandes comunidades de açorianos. Os produtos lacticínios possuiam boa qualidade.

Devido à localização do arquipélago, as condições meteorológicas alteravam-se fàcilmente em pouco tempo. Costumava-se dizer que num dia se reproduziam as quatro estações do ano. Embora a situação fosse volátil, contudo havia um certo exagero nessa afimação. A humidade que atingia elevados níveis no inverno, principalmente nas zonas altas e desabrigadas, limitava a visibilidade a escassos metros. Não posso deixar de me referir aos abalos sísmicos. Embora cedo tivesse sido alertado para esse fenómeno frequente, em toda a minha estadia senti apenas dois ou três pequenos abalos de curtissima duração, talvez por ter pouca sensibilidade para este tipo de trepidações.

Juntamente com outros Aspirantes, fui destacado para a Companhia de Instrução que se dedicava à formação dos novos recrutas que em grande número participavam anualmente em vários turnos. A cada um de nós era confiado um pelotão, constituído habitualmente por cerca de 30 soldados. Cada um era coadjuvado por dois sargentos/ furriéis.

Mais do que nunca, tínhamos consciência das nossas responsabilidades na formação desses homens, pois o País enfrentava na altura a Guerra Colonial em certas províncias ultramarinas. Depois da formação, os soldados eram agrupados em Companhias, seguindo para Lisboa e depois directamente para o Ultramar e zonas de combate. Queríamos que fossem preparados da melhor maneira possível, pois dessa formação podia depender a sua vida ou morte.

Não é fácil treinar um recruta, especialmente quando ele vem dum meio rural, o que acontecia com grande frequência. Quem sempre viveu da agricultura ou da pastorícia nas inúmeras freguesias dos Açores e de repente se vê na cidade que não conhece e ainda num meio completamente diferente como seja o de um quartel sente dificuldades em se adaptar ao novo ambiente, tornando-se complicado nos primeiros tempos entregar-lhe uma arma de fogo (de guerra) em vez de uma enxada. Não sabe o que fazer. Fica muitas vezes nervoso e reage mal e ainda de modo imprevisível. E, mesmo depois de algum tempo, às vezes cria situações de perigo … principalmente quando essa arma está carregada com munição na câmara e pronta para disparar na carreira de tiro onde a maior parte dos acidentes infelizmente têm lugar. Sei do que estou a falar, pois, dentre as muitas funções que desempenhei no BI 18, fui Oficial de Tiro, responsável pela dita carreira e por tudo quanto lá passasse. De bom e de mal. Quando se juntam espingardas, pistolas, metralhadoras, morteiros, granadas de mão, lança-granadas (bazookas), lança-chamas, etc... com munições e pessoas, todo o cuidado era pouco. Uma falha, um descuido, uma desatenção podia fàcilmente provocar baixas, entre mortos e feridos. Sem contemplações. Cabia principalmente ao Oficial de Tiro garantir a máxima segurança em todo o treino desse pessoal. Tive como auxiliares dois jovens furriéis açorianos: o Tavares que era exímio em tiros de rajada com a espingarda automática G-3 e o Baptista que tinha uma pontaria tão certeira que fàcilmente abatia com a sua Mauser um milhafre em pleno vôo. No Batalhão, não conheci melhores atiradores.

Não me esqueço dos inúmeros exercícios finais no Rego de Água, na zona central da ilha, que percorremos de lés a lés, bem como a inevitável hora das despedidas no fim de cada turno de instrução.

Entretanto, o tempo foi passando. Dia veio em que fui promovido a Alferes Miliciano, como os outros camaradas do meu Curso. Além do almoço oferecido na Messe de Oficiais no Quartel, realizámos na cidade um bom jantar. Ambos decorreram em ambiente muito agradável e de sâ camaradagem. Viviam-se então outros tempos.

Tive a oportunidade de visitar algumas das nove ilhas que constituem o arquipélago dos Açores. Como o arquipélago era de origem vulcânica, as rochas e areias eram dum castanho escuro, pelo que a paisagem assumia bàsicamente tons escuros, à semelhança do que acontecia nas ilhas Hawai no Pacífico. Chamaram particular atenção a Terceira e a Base Aérea Americana onde a azáfama era então enorme com vôos contínuos de aviões que, tanto quanto se sabia, provinham dos EUA, escalavam a Base e seguiam para a Alemanha Ocidental (a Oriental ainda existia) e depois para o Vietnam onde os americanos faziam a sua guerra. Enquanto uns vinham, outros partiam em sentido contrário. Faziam-se ali boas compras. O Faial, com os Capelinhos e o porto/marina, merece também menção especial.

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