COMO “CAÍ” NOS AÇORES ... (parte II)
Pouco antes do fim da Instrução Especial, aos cadetes foi entregue um documento para declararmos três locais para onde desejávamos ser destacados, após a formação. Como tinha a minha irmã Anabela a estudar na capital, optei primeiro por Lisboa e, a seguir, Açores e Madeira, arquipélagos que até então não conhecia.
Durante as férias, recebo a informação de que tinha sido destacado para Ponta Delgada, S.Miguel, Açores, juntamente com vários camaradas madeirenses e açorianos. Soube mais tarde que o conterrâneo Henrique Nolasco da Silva (“Ricky”) tinha sido mobilizado para Moçambique. De simples cadetes, fomos promovidos a Aspirantes a Oficial Miliciano.
Tratadas as formalidades relativas à viagem, parti com eles ainda no verão de 1968 do Cais de Óbidos para Ponta Delgada no navio “Funchal” que era na altura uma das jóias da CNN (não a cadeia americana de televisão mas sim a nossa Companhia Nacional de Navegação), juntamente com o “Vera Cruz” e o célebre “Santa Maria” que já faz parte da nossa História, por razões de todos conhecidas.
A viagem durou apenas três dias e decorreu sem incidentes. De dia, via-se quão imenso era o Oceano Atlântico, com as suas águas de um azul carregado tal a sua profundeza, contrastando um céu azul normal. À noite, a paisagem era outra: um mar escuro e cintilante devido ao luar e um céu estrelado onde imperava a lua. O navio fez escala na cidade do Funchal que visitámos durante algumas horas. Deixou entretanto em terra os poucos camaradas destacados para a Madeira e rumou com os restantes novamente a bordo para o seu destino final.
Já com S. Miguel à vista, os meus amigos açorianos disputavam entre si o lugar na apresentação da ilha, informando-me os nomes das terras que se iam perfilando diante dos nossos olhos. Éramos cada vez menos em número mas conhecíamo-nos já bastante melhor e mais de perto. A amizade criada dos tempos de Mafra ia-se cimentando a pouco e pouco, perdurando até aos dias de hoje, passados que foram mais de quarenta e cinco anos.
Tenho ainda bem presente a imagem de Ponta Delgada, vista do navio atracado no porto no dia da chegada. Não sentia nenhuma pressa em desembarcar por saber que não tinha ninguém à minha espera nem ainda casa para onde ir, situação que contrastava com a dos meus camaradas que ali tinham na sua maioria as suas famílias e residências. Pachorrento, acabei por me pôr em terra firme e seguir para uma nova etapa da minha vida.
Na manhã seguinte, apresentámo-nos todos no Batalhão Independente no. 18 (BI 18), situado nos Arrifes, numa colina por cima da cidade de Ponta Delgada, quando vista do seu porto.
Os primeiros dias foram consumidos com a instalação num apartamento que passou a ser a minha casa durante toda a estadia nos Açores. Estava bem localizada, pois situava-se perto da Baixa e pouco distava do BI 18. O transporte diário facultativo era assegurado de manhã por uma viatura militar que, seguindo um determinado itinerário e com várias paragens, ia recolhendo os oficiais pelo caminho até ao quartel. Ao fim da tarde, a viatura fazia o trajecto inverso. Este processo funcionou impecavelmente, sem prejuízo de casos pontuais em que nos deslocávamos em viaturas particulares ou muito raramente em transportes públicos.
A princípio, quando aparecia na cidade fardado, sentia que era alvo de olhares estranhos e curiosos. Afinal, que raio de homem é esse? O que anda a fazer por aqui? Para os residentes locais, eu devia ser uma “avis rara”, envergando ainda por cima a farda do Exército Português. Essa simples visão devia causar alguma confusão nas suas cabeças. Com ajuda amiga, compreendi mais tarde a razão dessa atitude: os açorianos não estavam então (em 1968) tão habituados a encontrar-se com indivíduos, de feições orientais. E achavam piada...
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